Growing up!

Aqui você encontrará meus delirios socráticos, minhas opiniões sobre assuntos diversos e obvio, um pouco da minha percepção de mundo. Tiago de Souza

quarta-feira, março 20, 2013

Dom.

 
I
(tonic)

- Motorista, segura a onda ae rapidinho.
- Quê?
- Espera um pouco, não sai agora não.
Obvio que todo mundo acha aquilo muito estranho, mas a queimação na parte de cima dos olhos do rapaz não mente. Alerta total. Claro que ninguém entende nada, afinal, já é tarde e com esse tempo todos querem ir pra casa e um moleque pede pro motorista não sair. 
 O motorista da van olha pra trás com um olhar de impaciencia. Essa chuva torrencial que castiga a cidade e depois de quase 20 minutos de espera ele finalmente completou todos os assentos. 15 ao todo. "Venha dinheiro!". Não pra ele, mas pro dono da van. Mas no fim das contas pelo menos ele tem esse trampo, e já faz 5 anos. "Pelo menos posso pagar os cartões" - é o que ele sempre pensa. "Se eu fosse melhor em matemática"- é o que ele pensa de vez em quando. "Se a van morrer no caminho com essa chuva caindo... Era só o que faltava... o que que esse moleque quer afinal?" - é o que ele pensa agora.
- Cara, o que foi? vai comprar comida? compra rapido ae...
- Não é isso é que eu...
- Meu filho, to na pressa... toca ae motô! Teho que entregar esse bolo hoje! Gritou uma gorda com um bolo cujo pacote bailava no seu colo.
- Vamboraaecara... queroirpracasa... minhamulhertáesperandoooo...
- Vai comprar ou não vai?
- Ih... acabou a luz na Central. Lá se vai minha o meu planejamento de aula - esbraveja um professor no banco de trás.
Gritaria generalizada, mas controlada. Na central do Brasil as luzes se apagam. Apenas nos morros em volta elas continuam e seus fachos chegam a velocidade de sempre, mas com a intensidade maior do que de costume. Afinal, quem repara nas luzes que vem do alto? 
Chuva forte caindo. O barulho dela supera o das pessoas na rua e das pessoas na van que começa a ficar mais quente do que o normal. 
- Motorista, espera um pouco... você não entende...
- Mano, to saindo.
Ele pensa que foi tempo o suficiente pra dar tudo certo. Isso começou na infancia, mas ele não entendia direito como funcionava. Agora entende. E torce pra que não aconteça, mas eventualmente acontece. Pequenos momentos mas que rendem terríveis embaraços, porque coisas desse tipo não são faceis de explicar. Não se sabe como isso começou, porque começou, mas ele torce pra terminar.
Mas não termina.

ii

Ele pensa: como é engraçado, pessoas acham que tem "dons", mas quando passam a usá-los, acabam se enchendo deles. Ou então, usam pra coisas que não tem nada a ver. Mas o que ele tem não pode ser ignorado desse jeito, porque afinal, é um dom digamos, estranho.
Ele, o dom, depende agora da frustração. Sua vida depende de entendê-lo e de frustrá-lo. Ele olha pro lado e se lamenta pelos que estão esperando a proxima van. Ele não pode fazer nada. Já tentou várias vezes, mas um aviso desse tipo nunca dá certo. Se nem nos filmes, imagina na vida real.
- Aquele filme idiota - ele sem querer murmura. E vira o rosto pra olhar como está a pista ne entrada da rodoviária.
De pronto, o motorista impaciente arranca com a van fazendo um "tsc" de reprovação.
- Como posso ter perdido tanto tempo? - ele, o motorista, não o rapaxz pensa. As pessoas comemoram. Não tinham se passado dois minutos que tudo tinha acontecido.
E é quando acontece.

III
(
mediante)
Antes que metade da van passa do portão do local imundo que seria a "rodoviária" o teto se desmancha em alguns pontos. Pessoas olham pra cima de forma instintiva. Agua da chuva jorra de alguns locais que antes tinham telhas. Imagine um balde com água sendo virado. Imagine telhas caindo. Alguém solta um palavrão e reclama por ter molhado suas roupas e livro que estava lendo, um best seller de pornografia mascarada por expressões educadas dignas de um orangotango com um laptop. Um pedaço de telha atinge uma perna. Novo palavrão. Uma risada pela metade. Mais água. Mais agachamentos. Uma pessoa corre pra fora.Alguém grita algo.
E é quando acontece.

Um barulho insuportável alcança os ouvidos dos passageiros. O teto cai. Como um imenso bloco disforme. O cair do teto expande-se com uma pressão forte o suficiente pra fazer o motorista perder o controle da van, que tinha passado metade do corpo do portão do local imundo que seria a "rodoviária", mas não o suficiente pra fazer o motorista - que rapidinho, como quem não quer nada, olhava pra bela mulher do outro lado da rua que vestia vermelho e parecia solícita - bater no onibus que estava passando do outro lado da rua. Ele solta um palavrão pela metade. Ele tinha prometido nunca mais falar palavrões. Sua mulher odeia. Ele tinha prometido nunca mais bater. Seu patrão odeia. A chuva piora ainda mais a situação. O vidro da van embaçado, o barulho da chuva o barulho da queda do galpão, o barulho dos passageiros de olhos arregalados, o barulho da freada do onibus... tudo conspira contra ele. E o rapaz sente isso. A parte de trás da van bate no muro de frente a rodoviária. Alguém bate com a cabeça na janela. Uma mulher voa pra frente e é parada pelo banco do carona do motorista. Ele, o rapaz, não o motorista, se agarra com força no banco que está atras do (agora sim) motorista. Ele sabe que ali seria teoricamente o lugar mais seguro porque o motorista de imediato busca proteger o seu lado. A van finalmente estabiliza. Quase. Podia ser pior. Um homem está desacordado ali no banco de trás. Ou já estava dormindo? Sim... ele lembra... o cara estava dormindo desde que ele (o rapaz) tinha entrado na van. Droga. Uma falha no plano.

iv

Desde pequeno ele pode prever coisas. Essas coisas. Nada de Mãe Dinah. Geralmente eram desastres pequenos. Mas não o suficiente para evitar uma missa de sétimo dia. A primeira vez foi com seu bolo de aniversário de cinco anos. A queimaçao nos olhos veio. A mesa cedeu. Uma faca deixada por uma tia. Aconteceu. O médico que estava na festa, mais bêbado do que vivo teve que organizar os pensamentos etílicos na cabeça para poder conter o sangramento do corte que quase fez sua prima perder a mão. Depois disso, anos se passaram sem nada do tipo acontecer. Mas aconteceu de novo. Na escola. Queimação nos olhos, sensação de perigo, boca seca, blá blá blá. Resultado: um quadro negro quebrado e uma professora traumatizada.
Literalmente.
A partir dai ele entendeu como acontecia, mas não sabia porque. Lia, via filmes, mas nada daquilo parecia fazer sentido. Ninguém sabia e essa era a pior parte. Pensou que poderia ajudar se antecipando aos desastres, mas quase nunca dava tempo. Foi aprendendo a lidar com isso pois, mesmo com o sinal que vinha dos olhos, não dava pra saber de onde viria o "tiro". Um dia pensou que ao invés de parar o acidente, poderia se dar bem. Um dia num supermercado disse para a menina de olhos bonitos e blusa vermelha que algo estranho podia acontecer. Resultado: um gerente morto, um bandido preso e um mar de explicações pra policia. Nunca mais tentou arrumar um encontro fazendo esse tipo de coisa.
Conforme o tempo foi passando, aquilo foi deixando-o desconfortável, pois estava acontecendo pelo menos uma ou duas vezes a cada seis meses ou sete meses. Ou menos, ele não sabia. E nos ultimos tempos, cada vez era mais perigoso. Nas ultimas duaz vezes, ele se safou por pouco. E ninguém parecia reparar no quanto ele era "sortudo" por ter escapado de um acidente com um trator que acabou invadindo um supermercado e matando gente, inclusive uma menina que usava uma blusa vermelha e por ter ficado parado no sinal de transito enquanto os outros carros passavam e colidiram no caminhão que vinha a toda do outro lado da rua e que era pintado num vermelho bem fraquinho.


V
(
dominans)

Ou era azul?

vi
A van pára. As pessoas gritam. O transito pára. Escombros, água pra todos os lados. A chuva piora. A luz volta. Mãos na cabeça mostram que a pergunta: o que fazer? era a pergunta do moneto. "Liguem pros bombeiros", diz a moça que vendia churrasco do outro lado da rua e que está aos prantos. "Robeeeeeertoooo" choraminga a outra que após um bate boca tinha contribuido pro marido ir pro bar que ficava na rodoviária e que agora não existia.
Nem ele, o marido, nem o bar.
Ele percebe que sua escolha foi perfeita, mas exista uma brecha, uma falha. E isso não é nada bom.
 VII
(sensitiva)

Ela percebe que ele está na van. Mas o ignora. Algo a atrai até ali. E ela não ignora isso. Sente a chuva forte e o vento gélido, mas ela adora esse tempo. Melhor que aquele sol infernal. Ela estala a lingua se reprimindo, pois sabe que não devia falar assim sa natureza. O calor é bom, assim como o frio também é. O ser humano é que acha que pode opinar sobre isso. O ser humano. Esse é o problema. Acho que a faculdade está me fazendo mal. Antes era melhor, a ignorância... não era isso que dizia aquele rei sabio mais que virou uma mula durante o percursso da vida? "O conhecimento traz tristeza", é... era algo assim mesmo. Ela atravessa a rua. O guarda chuva mais parece de papel. Está encharcada de água e ele é apenas um adereço imprestável. Porque não veio de carro? Quebrado. Porque demorei tanto a escolher essa roupa? E logo o vestido vermelho que me deixa gorda? Não sei. Porque estou aqui na Central sem luz nenhuma? Vá saber.
Ela percebe o olhar do motorista da van. Ignore-o. E ouve o barulho. Ela pára. Não tem nenhuma reação. Ela percebe a van, o desespero do motorista, a freada do onibus, ela ouve o barulho. Sente a pressão do ar. O cheiro de cimento e terra molhada. Ela vê a rodoviária caindo lentamente, mas... será que não é a minha percepção de tempo que está estranha? Já ouvi falar nisso. Ou já li sobre isso. Sei lá. Engraçado... as pessoas esperam o momento antes de morrer pra pedir perdão dos seus pecados e eu estou aqui, a poucos metros de ser esmagada por um carro desgovernado e permaneço cálida, sem pensar em nada a não ser no absurdo que é a vida. Melhor pensar em outra coisa.

i
(tonic)

Ele espera. Sabe que  é uma questão de tempo até as pessoas entenderem que escaparam por um milagre. Espera que elas mudem de vida. Afinal, traumas servem pra isso. Ele espera até que alguem diga a frase que irá limpar o ambiente:
"Escapamos por um triz..."
"Isso... coroem minha atitude com a mudança de vida". É o que ele pensa. Teve essa idéia depois de ler uma frase de Ganhdi em algum lugar (ou seria Luther King?), era algo sobre mudança, mas fazia tanto tempo que tinha lido que a frase em si estava apagada na sua memória, mas o conceito estava ali. Latente. Guiando suas atitudes. O plano era simples: sinta o perigo, espere o momento certo, salve quanto puder e mude a vida das pessoas com esse "milagre". Afinal, os seres humanos aprenderam tudo a partir dessa simples equação: assuste-se, sofra, aprenda, viva. Que procurem uma igreja. Que mudem sua postura perante suas esposas. Que perdoem seus maridos. Que trate, bem seus filhos. É isso o que ele deseja, um trauma para curar uma doença.
Finalmente a mulher que depois da batida da van estava com a saia quase na cintura e não tinha se dado conta que tinham levado sua carteira, diz:
- Minha nossa... Se fosse por um pocuo menos estaríamos mortos...
- Oh meu Deus
- Amor, você não sabe o que está acontecendo! - o professor liga para a esposa.
- Ahhhhhhhh...
Não tinha cabimento apenas salvar. Uma lição deveria ser aprendida. Mas... e aquele homem que está dormindo? Será que ele entendeu tudo o que aconteceu? O rapaz olha pra trás e pensa se deve acordá-lo. "Porque ele ainda está dormindo? Essa batida deveria acordar qualquer um, mas ele permanece sereno e plácido no ultimo banco". Ele se levanta, as pessoas começam a sair da van. O homem dorme. O rapaz ignora os gritos e o calor, e vai até o banco de trás. Ele olha pro homem. Um desconhecido, mas que ao mesmo tempo é familiar. Está segurando um saco plástico com revistas dentro. E ronca baixinho.
-Senhor. Senhor.
-Arh... Sim.
O bafo do homem chega até ele, que faz uma careta. O rapaz, não o homem com o saco de revistas e que sonhava um sonho em preto e branco.
- Tivemos um acidente, saia da van.
- Acidente? Putz. 
-Putz? é tudo o que você tem a dizer?!?!
Ele percebe que estava sendo indelicado, mas ora vejam só! O cara não expressou nenhuma atitude com relação ao milagre que ele acabara de passar. 
- Humpf - O homem apenas grunhiu e desceu da van deixando o rapaz com uma cara de surpresa misturada com  raiva. 
E então aconteceu.
Coda
Casa 1
Ela pára e se apoia numa parede. Automaticamente o guarda chuva que não servia pra nada cai na rua. Ela sente uma intensa dor na nuca.
-Oh não... Oh não. De novo não.
E antes que ela termine a frase um caminhão surge. O chão está completamente enlameado. Ele desce desgovernado por uma viela apesar dos esforços do motorista. O caminhão vem. Pessoas gritam. As veias do pescoço e braço do motorista se retesam. Ele faz uma careta. A chuva continua. O barulho da tentativa de freada é forte. O caminhão geme. Era um caminhão de um supermercado. Pessoas correm. Uma telha cai. Um raio surge. Nenhum trovão se ouve.
 
Casa 2
Os olhos do rapaz se arregalam. A queimação nos olhos que já estava fraca desaparece.
Ele ouve sinos.

Da Capo 
O caminhão desce a toda.
A garota queveste vermelho e que sente uma dor na nuca grita.
Pessoas gritam.
O caminhão geme.
O rapaz sorri e fecha os olhos.
A van está na viela. Na entrada. Em diagonal pro muro.
Metade dela na rua.
No fim da trajetória certa de um caminhão que vem a toda velocidade ao seu encontro.
Um caminhão de supermercado.
Dirigido por um desconhecido de blusa vermelha.



Ou seria azul?

2 Comments:

Blogger Jonathan Bassut said...

Muito bacana! Curti muito a construção do texto e me diverti imaginando se realmente eram "o efeito borboleta" e "50 tons de cinza" citados lá em cima.
Ainda assim, ficou meio confuso as vezes, mas talvez seja só minha inabilidade em se concentrar em uma coisa só. O texto é muito imersivo, me colocou em um lugar tão comum que me imaginei no centro de tudo observando aquelas pessoas desde o começo. Talvez isso tenha me confundido, o próprio cenário na minha cabeça.
Fiquei imaginando se a garota do supermercado assaltado e a outra do supermercado cujo o carro entrou eram a mesma pessoa. As vezes pensei que sim e outra que não. Afinal, além do supermercado, outros fatores ligavam as duas, como a blusa vermelha (Ou era azul?).

6:51 AM  
Blogger Jonathan Bassut said...

Este comentário foi removido pelo autor.

6:52 AM  

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