Growing up!

Aqui você encontrará meus delirios socráticos, minhas opiniões sobre assuntos diversos e obvio, um pouco da minha percepção de mundo. Tiago de Souza

domingo, fevereiro 05, 2006

A Day in Life

Fiquei cerca de um minuto olhando pra loja. Na realidade uma lanchonete. Famosa. Capitalista. Humpf... O serviço deveria terminar as 13 e meia. Horário de maior movimento. Movimento. Mais gente. Gente. Mais vítimas. Bom. Estou tranqüilo. A não ser por uma leve aceleração dos meus batimentos cardíacos. Normal. Alias, estou a menos de 5 minutos das portas do céu. A morte me foi apresentada desde muito novo. Morte. Palavra capaz de colocar medo na maior parte das pessoas, para mim é um simples substantivo. Inócuo. Sem nenhum poder para mesmerizar minhas atitudes, embora eu a respeite. Afinal, é a porta de entrada para o paraíso. Para a libertação. Para o reconhecimento. Para...
[Entre]

Tenho que entrar.
Devo pedir algo para comer. Despistar, certo? hamburguer? Bom... deve servir.

-Bom di... aliás... Boa tarde.
-Boa.
-Qual o seu pedi...
-Número 1.
-Hu-hum... Sobremesa senhor?
-Naum...
- Qual a bebida senhor?
[Tratamento patético. Senhor. Patético]
-Hum... Coca... é... coca... tem?
[Patético]
Me lembro que comi um desses na faculdade. Na realidade, comi vários desses na faculdade. Bons tempos. É... como as coisas mudam...
-9 e 95.
Encontrei a essência da existência ali, naquelas paredes rotas pelo tempo e pelos costumes emporcalhados dessa gente. Gente. Conheci muitas pessoas ali, embora poucos realmente eu fiz questão de manter na memória. Rute. Cezar. Robson. Cássia. Eliza.
Eliza.
Boa garota, mas era meio chata. Ficamos? Ficamos... várias vezes. Ou namoramos? Nhan...
[Esqueça]
É melhor esquecer isso, né... agora não.
- Tá aqui senhor, Big mac, Coca cola grande e batata frita.
-Humpf...
Sento no meio da loja. O raio de impacto será maior. Está cheirando bem... pelo menos colocaram mostarda. Tirei a mochila antes de sentar, coloquei com cuidado no chão, entre as minhas pernas.
[É sua arma]
É mesmo. Entre as pernas... Assim como a caixa de um baterista, assim como um...
[Respeito seu insolente, vigie seus pensamentos]
Humpf...
[Quanto tempo?]
Que horas são?... Faltam 5 minutos. Pesada a mochila, também... está cheia de explosivos. Pesada. Assim como a vida de meu povo, sendo oprimido por esse sistema lancinante. Dor. Será que sentirei alguma? Acho que não.
[Ignore isso]
Mesmo assim será rápido. Bum. Paraíso. Para. Iso.
Por Deus.
[O quê?]
Não pode ser ela.
[Quem? Quem?]
Eliza.
Ela não pode me ver. Logo aqui. Logo agora. Logo ela.

Ela me viu. Ela me viu! Merda. Merda.
[Controle sua língua, falando como um infiel!]
Ela acenou. Está sem graça. Claro. Ela gosta de mim. Na realidade ela é louca por mim. Minto. Na realidade ela me ama. Amor.
[Besteira]
Não é justo. Ela aqui...
[Ignore-a]
Eu bem que tentei esquecê-la, bem que tentei ma afastar, mas ela ainda insistia em me ver! Para essa tarefa, não podemos ter vínculos com ninguém. Aliás, ela foi a pessoa mais legal que eu já conheci. Embora ela não me conhecesse realmente. Ningfuém me conhece realmente.
Realmente.

Real.
[Ela deve morrer]
É mesmo? Ela também deve pagar pelo que outros fizeram? Ela não tem culpa... é ingênua, é uma sonhadora... uma
[utópica! Isso que ela é!]
Não!
[?]
Ela é linda. Parece que o tempo não passa pra ela. Continua linda.
[Quanto tempo?]
Um minuto. É agora. Peguei o dispositivo de acionamento. Oh não... Ela olhou pra mim. Ela sorriu pra mim.
[Ignore]
Respire. Inspire. O trabalho tem de ser feito. O paraíso, o reconhecimento, a honra. Ganhe isso apertando o botão. O Botão. Bo. Tão.
Tão.
Tão linda.
Ela levantou.
[Merda]
O que é aquilo na mão dela? Um papel?
[aperte!]
Ela se aproxima. Eu estou suando. Ela aproximou a boca da minha orelha esquerda. Ou será direita? Estou completamente rendido. Ela sussura.
[Whispering]
-Leia. Só leia.
Não há tempo. Preciso terminar isso.
[Isso... isso... termine...]
Mas, eu nunca saberei que ela escreveu pra mim. Fico olhando para o papel. É a letra dela. Linda. Parece de professora. É de professora. Se eu apertar eu nunca saberei.
Uma música no rádio da loja...

Posso ouvir o vento passar...
Assistir a onda bater...
Mas o estrago que faz, a vida é curta pra ver...
[Musica brega...]
A vida é curta. A eternidade é longa. Vida. Morte.
[Aperte seu insolente!]
A vida é curta.
[Aperte!]
Sim...
[Sim...]
Sim. É curta demais para que eu acabe com a minha e a de outros.
[Não]
Uma criança passou ao meu lado. Sorrindo.
[Seu medroso...]
Sorrindo. ..
Ela viverá.

[Reconhecimento... honra... paraíso...]
Um dia irei para o paraíso. Mas antes... tenho que ir ao banheiro.
Tenho que ler uma carta.


- O big mac estava ótimo. Tenho que comer isso mais vezes.
A mochila está nas costas.
-Que bom que gostou, senhor.
E ela ao meu lado.
-Aliás, qual a sobremesa?
- Sorvete de chocolate, senhor.
A vida é curta.
- Dois, por favor.

Mas a partir de hoje ela será longa.