Growing up!

Aqui você encontrará meus delirios socráticos, minhas opiniões sobre assuntos diversos e obvio, um pouco da minha percepção de mundo. Tiago de Souza

terça-feira, junho 19, 2012

O Acaso vai me proteger...

O século XX foi um período aonde nossas noções mais básicas foram abaladas. Podemos apontar o aparecimento da relatividade de Einstein, as idéias de Freud, a revolução de Lênin, a loucura nazista... Na música, dinamitamos os limites da tonalidade, da métrica, do ritmo e da noção de objetividade do artista. A idéia romântica de que o músico tinha total domínio de sua arte passa a ser encarada como algo estranho e o que antes era sólido, passa a ser líquido. Perdemos a noção de estabilidade herdada de sistemas que duraram pelo menos 3 séculos e que moldaram todo o estrutura cultural no ocidente. Apenas nas ultimas décadas do século XX, com uma maior participação de idéias orientais, passamos a entender que nem sempre a nossa história segue uma lógica linear. Um dos maiores expoentes dessa época foi um músico chamado John Cage, que passou a lidar com a idéia de Acaso, ou seja, assim como na vida, nem sempre podemos prever os resultados que a música nos levará, mas podemos por outro lado, saber que estrada seguiremos até um objetivo pré-definido e é com essa idéia que eu inicio esse texto.
Há um velho provérbio que diz: Você se diz surpreso uma única vez; depois disso, você está despreparado. Nós, músicos, nem sempre damos real importância a idéia de PREPARAÇÃO. Na maioria das vezes, simplesmente reagimos a um estimulo externo, ao invés de nos prepararmos para qualquer tipo de eventualidade. Quanto melhor a preparação para lidar com um determinado evento, menor o grau de ansiedade e, conseqüentemente, mais proativos e mais distantes de uma possível situação de pânico nós estaremos. Quem assistiu ao filme O Resgate do soldado Ryan sabe que “planos são tudo, mas somente até que a batalha comece”. Concordo em parte, pois imprevistos podem demolir um músico (quem já deixou uma baqueta cair no meio do solo sabe do que eu estou falando...), mas mesmo assim, a preparação adequada é o melhor caminho para vencer esses percalços. Isso é complicado, pois nem sempre temos a coerência de definir nossas metas de acordo com as nossas reais possibilidades. A tendência é nos superestimarmos, fato que nos leva a andar mais do que deveríamos, fugindo, portanto da idéia de Método ( palavra que significa “melhor caminho”). Algo que é frustrante sobre a preparação é que ela normalmente leva muito mais tempo do que o evento real que a pessoa se prepara. É terrível saber que anos de preparação são necessários para que se consiga executar uma peça as vezes com menos de quatro minutos. Pense em John Kirkpatrick que levou 10 anos (eu disse 10 ANOS!) para aprender a tocar a Sonata para piano No. 2 de Charles Ives. Essa visão de “processo” que nos falta. Queremos tudo agora. Falta a perspectiva de Abraham Lincoln que disse que “se tivesse oito horas pra derrubar uma árvore, passaria seis dessas horas afiando o machado”.

O conceito de Acaso não deve confundido com a idéia de Imprevisto que é um companheiro presente para muitos de nossa classe, pois, ao invés de um planejamento adequado, preferem seguir na risca hits como... “deixa acontecer, naturalmente...” e o famoso “deixa a vida me levar...”. O acaso “acontece” de forma organizada, embora essa idéia possa parecer paradoxal. Precisamos estar atentos para que situações absolutamente prosaicas possam servir de pontes para conceitos maiores. É conhecida as histórias envolvendo Newton, por exemplo, que a partir de uma simples bolha de sabão construiu toda a teoria da Luz ou de Galileu e a suas observações do movimento pendular. Usarei um exemplo bem mais modesto. No dia anterior a minha apresentação no Batuka, ao chegar em casa depois de um ensaio, meus pais estavam assistindo o filme A Família Adams. Acabei absorvendo o tema inicial do filme (o famoso “pã na na nã - clap clap”) e acabei reproduzindo essa mesma figura rítmica no meu solo, dois dias depois. É um caso típico de uma idéia que ‘voando” ao acaso acabou sendo fundamental para minha performance. Mas, pensando em níveis mais práticos, pense em quantas pessoas que você conhece que tinham tanto e agora tem tão pouco? Quanto mais "estranho" nos sentimos perante uma situação ou um ambiente, mais nossos sentidos se aguçam e nossa capacidade de adaptação aumenta. A partir do momento que nos sentimos com chances de poder "curtir a vida", nos desarmamos e abrimos espaço para o Imprevisto. Sun Tzu no livro A Arte da Guerra afirma que a partir do momento que um inimigo vislumbra uma possibilidade de fuga, temos a situação certa para o liquidarmos com um ataque fulminante. Entramos em terreno perigoso, pois pensemos em quantos músicos se preocupam com Previdência pública ou privada, com a manutenção de uma rotina de avaliações médicas, em organizar um planejamento de aula coerente para seus alunos, manter uma boa rede de relações profissionais e uma busca por um marketing efetivamente positivo? Em escolas de música em outras partes do mundo, os alunos não aprendem somente modos gregos e polirritmias: aulas de planejamento, marketing pessoal e organização de rotinas são itens básicos para uma carreira produtiva. Coisa que faltam muito para nós brasileiros. São inúmeros os casos de músicos que literalmente nadavam em dinheiro e hoje estão afogados em dividas, divórcios, pensões e esmolas. E não adianta reclamar de condições de trabalho e de falta de grana, porque organização independe disso. Todos os aspectos de uma “empreitada musical” deveriam ser analisados, para que surpresas desagradáveis não aconteçam e nos peguem desprevenidos. O Acaso, seja ele na vida como na música acontece de duas formas: ou preparamos a sua possível chegada  ou incluímos o Acaso conscientemente, em medidas suficientes para que ele possa ser trabalhado em nossas manifestações artísticas e também em nossas vidas. Cage usava jogos de cartas e até mesmo o I-Ching para definir determinados trechos e até mesmo sequencias completas de notas em suas composições, e outros compositores como Pierre Bourlez, Steve Reich e Stockhausen deixavam para o intérprete a escolha das formas que a musica deveria ser interpretada. A partir dessas idéias, entendemos que o Acaso pode ser “controlado”, mas mesmo esse controle impõe limites que justamente são definidos pelo nosso nível de preparação. Essa idéia de que o músico deve ser “livre”, sem se importar com suas escolhas e como um Beethoven anacrônico, sofrer pela sua arte e pela sua visão, me parece por demais equivocada. Sinto dizer que a realidade é muito mais complicada, mas com um planejamento coerente, os frutos dessa postura responsável são satisfatórios.
Entretanto... como é dificil pensar nisso tudo de forma coerente e organizada entre tantas coisas a se fazer e tocar... E eu sou um dos que sofrem com isso.

Nada existe sem limites. A Liberdade é sempre ilusória. Mas será realmente que podemos "cobrir todas as pontas" com os nossos planos? Ao ouvir o cd do Jeff Buckley e pesquisar sobre as condições bizarras de sua morte, percebo que nem sempre podemos prever tudo... Complicado não é? Mas isso é uma outra história...

Finalizando, cito Igor Stravinsky no seu livro Poética musical em seis lições: “Minha liberdade, portanto, consiste em mover-me dentro da estreita moldura que estabeleci para mim mesmo dentro de cada um de meus empreendimentos. A força nasce da restrição e morre na liberdade”.

GUp.