Growing up!

Aqui você encontrará meus delirios socráticos, minhas opiniões sobre assuntos diversos e obvio, um pouco da minha percepção de mundo. Tiago de Souza

sexta-feira, abril 15, 2011

Miles Away.


Finalmente comprei o livro que estava procurando desde agosto do ano passado (!):
"Kind of Blue - A História da Obra-Prima de Miles Davis", livro de Ashley Kahn.

Em agosto do ano passado eu comprei o "A Love Supreme - A Criação do Álbum Clássico de John Coltrane", do mesmo autor. O livro é sensacional e mostra (como é obvio ao ler o título) a criação desse disco. A história desses dois musicos está entrelaçada, pois Coltrane fez parte da banda de Miles Davis durante um tempo e o fato que desencadeou a sua "libertação" do vício da heroína e da bebida foi justamente a demissão da banda de Miles Davis, fato que foi diretamente responsavel pela criação da obra prima de Trane.
Ambos eram musicos que não se contentavam em simplesmente "tocar", mas que através da utilização de ferramentas musicais nem sempre convencionais, libertaram o jazz de suas amarras, Miles Davis levando o Jazz em direção ao Modal e Coltrane mostrando que música seria um veículo perfeito para sua espiritualidade.

Depois de degustar a leitura do livro de Trane, caçei como um louco o livro que fala sobre Miles, mas em todos os sites ee se encontrava esgotado. Em sebos, eu nunca encontrava, até que na terça feira, largado numa seção empoeirada num sebo no centro do Rio, lá estava o livro. Liguei pra Ariane e contei que finalmente tinha achado: ela riu muito, pois eu falava sobre ele a muito tempo e estava como uma criança comemorando o meu "achado".

O livro é sensacional, pois mostra como foi o processo de criação do album "Kind of Blue", o album de jazz mais vendido da história e que mudou a forma que o Jazz era feito, pois ao abandonar as características tonais e enveredando pelo modalismo, Miles Davis desafiava os músicos a utilizarem suas mentes de forma diferente, pois, antes, com as mudanças de acordes pra cima e pra baixo, as escalas poderiam ser utilizadas como "pecinhas de montar" num jogo: depois de "aprendidos" os padrões, a reprodução poderia soar mecânica, mesmo se o músico não estivesse inspirado (algo que hoje ainda acontece muito... ). Mas com o modalismo de músicas como "All Blues", "Freddie FreLoader", e na quase minimalista "Blu ein Green" o músico deveria prestar atenção na sua interpretação, já que as musicas apresentavam um carater emotivo muito forte, além de estar com o vocabulário afiado, pois basicamente algumas musicas se orientavam em apenas 5 escalas (escala pra quem não sabe é uma sequencia de notas, sendo que a mais conhecida é "Dóremifasollasidó") o que levava a fluidez quase "linguistica" no instrumento e a um estado de concentração beirando a meditação, e em alguns momentos, levando taé mesmo a exaustão mental (os músicos comemoraram quando "All blues" terminou, em especial o baixista Paul Chambers).
Tanto aficionados da música erudita quanto roqueiros raivosos louvam sua sutileza, simplicidade e profundidade emocional. Exemplares do álbum são dados a amigos e presenteados a amantes. O álbum vendeu milhões de cópias em todo o mundo, o que faz dele o mais vendido do catálogo de Miles Davis e de todos os clássicos de jazz da história. O apelo do álbum certamente se intensificou graças à mística pessoal de Miles. Cool, bem vestido, infinitamente inspirado e sem fazer concessões na arte e na vida, Davis foi - e ainda é - um herói para fãs de jazz, para afroamericanos e para a comunidade musical internacional. "Miles Davis é a minha definição do cool", disse Bob Dylan. "Adorava vê-lo em pequenos clubes. Ele fazia seu solo, virava as costas para a platéia, abaixava o trompete e saía do palco, deixando a banda tocar sozinha, para voltar depois e tocar umas poucas notas finais." No santuário do jazz, Kind of Blue é uma das relíquias sagradas. Críticos o reverenciam como um marco estilístico, um dos pouquíssimos na longa tradição do jazz, situado no mesmo patamar de discos seminais dos Hot Fives de Louis Armstrong e dos quintetos de bebop de Charlie Parker. Músicos reconhecem sua influência e gravaram centenas de versões da música contida ali. Quincy Jones, produtor, compositor e confidente de Miles, o considera o único álbum (se fosse preciso escolher um) capaz de explicar o jazz.

A postura de liderança de Miles e sua "boca suja", as piadas do saxofonista CannonBall Aderley, os cafés entre Chambers, a sutileza de Jimmy Cobb (baterista), a virtuosidade economica do impressionante Bill Evans (o prelúdio de "So What" é digno de tocar no Paraíso) e a introspecção de Coltrane são dissecadas no livro de forma que me parecia que eu estava ouvindo Miles reclamar do ranger da madeira do estúdio, de Cannoball dizer que a musica a"Bunda" depois de gravar So "What" e de Chambers se atrapalhar pra gravar "Flamenco Sketches".

É interessante saber que essa obra prima foi feita de forma natural: os musicos simplesmente receberam orientações sobre a estrutura da musica e "atacaram". Uns de forma medrosa (Evans em alguns momentos parece tocar pisanodo em ovos), outros de forma agressiva (Coltrane chegou a saturar o som do microfone em "All Blues e Cannoball literalmente destruia em improvisos de tirar o fôlego), mas a estrela mesmo é Miles Davis. Se esse cara somente gravasse os solos de "So What" e de "Freddie FreLoader" já seria suficiente pra entrar na história. Improvisos concisos, mas complexos, ritmicamente fluentes, mas "respirando", e cada nota tinha um peso que chocava: o solo se "So What" as três notas iniciais são suficientes para fazer qualquer um sentar na cadeira e ouvir com muda reverencia. Hebbie Hancock disse que "quando Cobb ataca o prato na cabeça do tempo e Miles entra, não tem pra ninguém".

O livro mostra também um lado terrivel do jazz: as longas viagens, o abuso de drogas (Coltrane e o primeiro baterista de Miles, Philip Jo Jones foram acusados por Miles de ser junkies, e demitidos por exceso de drogas, além de Bill Evans, que já abusava de heroína nesse período), a falta de grana dos contratados e o luxo dos patrões (Miles Davis ia de carrão pro estudio, enquanto o baterista alugava um taxi pra levar seu instrumento...) e a luta de Evans pelo fato de ser o unico branco numa banda de negros.

O livro é inspirador e me fez refletir pois, de que adianta sucesso se o fruto dele não tem um significado mais profundo? Como diz o autor na introdução: " Permita que este livro mostre a você que, às vezes, o que fala menos é o que mais tem a dizer".

Como diria Miles Davis... So What.


GUp.
T.