Growing up!

Aqui você encontrará meus delirios socráticos, minhas opiniões sobre assuntos diversos e obvio, um pouco da minha percepção de mundo. Tiago de Souza

sábado, dezembro 14, 2013

Menos é mais.



Papel de parede 'Jesus chorou'

 

 

 

 

 

 

 

 

 Li um dia dessa uma matéria que está no site: Literatortura.com.

“Segundo a “lenda”, propuseram a Hemingway escrever um conto que não ultrapassasse 6 palavras. E ele assim o fez”.  O conto é esse aqui:

Vende-se: sapatos de bebê, sem uso.

“Você imagina tudo que veio antes, o casal, a gravidez da mulher – quem sabe aquela tão esperada, desejada? -, a possível preocupação com o dinheiro – no fim eles vendem o sapato, não apenas jogam fora -, a felicidade de pensar na criança, todos os meses de gestação, o nascimento e, por fim, a morte. O bebê não teve nem a chance de usar o enxoval. E o peso da tragédia familiar é atirado em nós sem um mínimo de preparo”.

Pensei sobre isso e cheguei a conclusão que existe outro conto, mais conciso ainda, tem um peso muito maior do que esse e nos dá um campo imaginativo inesgotável.
Permita-me apresentá-lo.

Meu irmão apareceu com um livro chamado “A Arte da Narrativa Bíblica” de Robert Altler que me fez parar pra pensar. No livro, ele apresenta uma maneira de analisar a Bíblia que chega a ser tola de tão simples: ao invés de apenas tentar desacreditá-la, que tal analisar os textos hebraicos e cristãos com as mesmas ferramentas e o mesmo olhar que aplicamos a textos consagrados da literatura ocidental como Homero, Virgílio, Dante, Shakespeare, Milton e outros? Porque somente falamos que “fulano não escreveu o livro tal”, ou “os padres safados incluíram coisas na Bíblia que não estavam lá” ou outras teorias que dominaram o imaginário e os estudos bíblicos a partir do século XIX com as chamadas “Alta Crítica” e “Baixa Crítica”. Muita gente passou a abandonar a Fé e num simplismo idiotizante, a incentivar a postura de menosprezo ao texto bíblico.
Altler não cai no simplismo de tratar o texto de maneira ingênua, como se ele fosse uma única estrutura, mas aplica uma crítica soberba ao texto. O trecho que me chamou a atenção é o que ele diz que com pouquíssimas “peças” textuais, os escritores da Bíblia conseguiam impactar o leitor, fazê-lo pensar e repensar o texto, buscando com as parcas informações recebidas pelo texto bíblico, utilizar referencias anteriormente lidas para construir cenários, características dos personagens e até mesmo completar a história com sua própria imaginação. Um exemplo rápido: Davi é o personagem com o maior número de informações dadas pelo texto bíblico (pelo menos quatro livros são utilizados pra contar sua história), mas até a morte de seu filho, fruto de um adultério com Bestseba, a Bíblia não nos informa nada sobre seus pensamentos mais sutis, suas aflições peculiares, suas vontades absolutas e seu modus operandi intimo.  Traduzindo: Davi está a toa em casa, enquanto seu exército luta. Por quê? Não sabemos ao certo. Ele está no seu palácio e de uma sacada (será?) vê uma mulher tomando banho. Ele a deseja, manda buscá-la e “manda ver”. A mulher fica grávida. Davi orquestra um plano pra matar o marido dela. Consegue. Depois manda trazê-la ao palácio, só que o pecado é descoberto. Davi chora, se arrepende, mas a sentença de Deus é que seu filho morra.


“E o SENHOR feriu a criança que a mulher de Urias dera à luz a Davi; e a criança adoeceu gravemente. Buscou Davi a Deus pela criança; jejuou Davi e, vindo, passou a noite prostrado em terra”.

Até aquele momento, Davi é uma máquina, ele apenas reage as circunstâncias como um “Schwarzenegger”. Apenas no episódio da morte de seu filho é que realmente entramos na cabeça de Davi, ainda assim de forma não totalmente explicitada pelo texto. O autor mostra um Davi se acabando em lágrimas, mas é econômico em sua descrição da dor.
O autor compara isso com outro episódio emblemático da literatura ocidental: a cena extremamente tocante do pedido do rei Príamo a Aquiles, para que ele entregue o corpo de seu filho Heitor, que tinha sido morto pelo mesmo Aquiles. Isso está descrito na Ilíada. Segue o trecho que eu queria compartilhar:

Mercúrio se ala; Príamo se apeia,
Deixando fora a Ideu corcéis e mulas
Seguiu direito; achou de Jove o aluno
Dentro sentado, à parte os sócios, menos
Alcimo e Automedon, ramos de Marte,
Que à mesa diligentes o serviam,
Onde satisfizera a sede e a fome.
Não visto passa o corajoso velho,
Até que prosternado, humilde beija
A mão terrível que imolou seus filhos.

As informações são diretas: o velho rei desce do cavalo, entra na tenda, ignora os servos de Aquiles, se curva e ajoelhado, olha para o homem que tinha acabado de arrastar seu filho amarrados pelos pés num carro, pega essas mesmas mãos e as beija. Ele, o corajoso rei, está humilde diante do assassino de seu filho. Isso tudo explicitado em apenas um verso. Ainda faltam pelo menos um seis dessa conversa.
Na maior parte do tempo, a literatura ocidental escolheu esse caminho de extrema descrição, abandonando a economia que vem dos textos orientais. Poucos espaços nos são deixados para que completemo-los com nossa imaginação. Tudo está ali, ao alcance dos olhos e da mente que segue descansada rumo a conclusão da cena.

Agora, atente para o trecho que está em João 11.32-34.

“Quando Maria chegou ao lugar onde estava Jesus, ao vê-lo, lançou-se-lhe aos pés, dizendo: Senhor, se estiveras aqui, meu irmão não teria morrido. Jesus vendo-a chorar, e bem assim os judeus que a acompanhavam, agitou-se no espírito e comoveu-se. E perguntou: Onde o sepultastes? Eles lhe responderam: Senhor, vem e vê!

Depois disso, a passagem que eu acho a mais emblemática de toda a Bíblia. Ela é composta de apenas uma frase com duas palavras. Nem Miles Davis seria tão sucinto no seu improviso. Nem Hemingway conseguiria escrever esse conto. 
A frase que completa o texto é essa:

JESUS CHOROU.

Aprendeu Hemingway? 
É notório que nenhuma outra religião apresenta um Deus que se torna uma de suas criaturas. Todos os deuses gregos se mantêm distantes da ralé humana e tem preconceitos com relação aos que vivem abaixo do Olimpo. Aparentemente todas as religiões, eu disse TODAS, apresentam deuses que deixam bem clara a distinção entre humano-deus. E nenhuma apresenta um Deus que chora. O peso dessa passagem, tão simples é extremamente atordoante.
Um deus que chora como um humano.
Seria de saudade? Seria dor? Seria de pena? Seria um sentimento de perda, não apontando para o mundo dos vivos, mas para o mundo dos mortos? Seria a aflição de saber que seu amigo Lázaro estaria agora num lugar intransponível? Seria um fingimento? Afinal, deuses e os anões azuis que fundaram a tropa dos Lanternas Verdes não sentem emoções. Seria o sentimento de ter se atrasado e não ter visto seu amigo partir? O que realmente passou pela cabeça de Jesus ao chorar? Ela já tinha chorado daquela maneira? Reza Aslan escreveu que Jesus literalmente explodiu a compreensão do mundo antigo no que se refere a mitologias, pois nunca em nenhum momento da história teológica um Deus ressuscita a troco de nada, sem receber pagamento ou ofertas por isso. E muito menos morre e volta em “carne e osso”.
O que Jesus, criador de todo pensamento estava pensando?

Nem mesmo usando toda nossa imaginação conseguiremos saber.
Eis ai a potencia desse texto. E a nossa impotência perante tal rede de significação.