Mnemônico.
Era do tipo que esquecia muito
facilmente das coisas. Mente rápida. E como tudo o que é rápido, nem sempre via
tudo com clareza. Pensamentos iam, vinham, nem sempre percebidos. Mas sabia
disso e se acostumara. Afinal, somos o que somos. Por outro lado, quando
cismava com uma ideia, era difícil de fazê-lo se aquietar. Travava um
verdadeiro duelo até conseguir realizar o que queria e confirmar o que
postulava. Competia até com as ideias de sua própria cabeça. Fazia parte da sua
natureza, afinal, somos o que somos. Naquele fim de noite, a decisão de entrar naquele
lugar não foi tomada - foi apenas sentida e antes que o gosto pudesse inebriar
a mente, ela foi feita. Quase automática. Um reflexo de alguma vontade que
borbulhou lá no fundo e que viu a luz, quase amarelada da fachada do prédio
antigo com piso creme que seus sapatos (quase barulhentos) pisaram. Não tinha
nada específico em mente, afinal, não era de se apegar a quase nada, a não ser
quando cismava com alguma coisa, o que nem sempre acontecia. Os olhos passearam sem enxergar as
prateleiras a sua direita, ignorando o lado esquerdo que equilibrava o lugar (ele,
quando entrava no metrô, num trem ou em um ônibus, também ia,
inconscientemente, para esse lado) só que o pensamento em parênteses, de tão rápido
mal se completou - se esfarinhou ante a visão de uma pequena aglomeração e
vislumbrou um homem sentado numa almofada (qual cor?), rodeado de pessoas que
lembravam uma espécie de procissão. Algo estava sendo exposto numa pequena
pirâmide feita de caixinhas (DVDs?). Ele sabia que estavam vazias. Tempos de
desconfiança. Eram belas as caixas? Ignorou, porque afinal, não queria saber.
Subiu as escadas com o objetivo de apenas passear pelo lugar, sem maiores
objetivos nem compras. Economizava muito e as vezes se esquecia de quanto tinha
ou do porquê estava trocando uma boa refeição por um lanche rápido. Estou
magro... Ele pensou e imediatamente se lembrou.
Lembrou que realmente
precisava de algo, mas de tanto procrastinar, deixava sempre a compra para um
momento que nunca chegava. Ele economizava muito. Aquilo fora idealizado uma
meia página de vezes, mas nunca concluído. Mundo das ideias. Seria Platão? Não
sabia por que se lembrou disso nem aonde lera. Se é que leu, pois não era muito
chegado em leituras. Pelo menos não tanto quanto deveria. Usava óculos, o que
lhe dava gratuitamente um ar intelectual, mas não aquele intelectual enterrado
em livros herméticos, mas aquele tipo alinhado, elegante, mas um tanto raso em
suas reflexões. Enfim. Subiu as escadas, ignorou a musak que invadia o ambiente, o som de um trompete ensurdinado e lânguido legato que espalhavam pelo mar-ar invisível (Tanto
poderiam conquistar o ouvinte quanto fazê-lo dormir). Pessoas comiam em cadeiras de assento reto e
pernas curvas. Tenho fome, ele pensou e foi em direção a estante com o tal
volume. Lembrou-se de que vinha pouco naquele lugar e relembrou peri passu com uma certa pontada de
criancice que uma vez –não, pelo menos duas - tinha escondido o que tinha ido
buscar, voltando a nuca daquilo para a parede, evitando assim o encontro com
olhares curiosos. Pessoas interessadas precisariam de um mapa para encontrá-lo
naquela ilha de escrituras (rodeada de trompetes em legato). Mas ele, o volume,
sempre voltava à posição inicial dias depois. Algum funcionário da loja, quem
sabe, ou alguém com TOC. Mas no fim, ele sempre acabava se esquecendo de voltar
e comprar. Sorriu com a peraltice. Estava
na escada rolante, rumo ao fim de toda aquela (essa) história, mas a uma meia rodada
de degraus rolantes do local, teve uma pequena premonição. E se alguém tivesse levado o volume?
, em notas
O tal não era um best-seller,
mas da ultima vez, apenas um único exemplar sobrevivia na loja. Não gostava de
comprar nada pela internet, preferia a caça ao vivo, in loco. Os degraus se recolheram e ele pisou quase silenciosamente
no piso revestido de um tapete cinza e viu a estante esquerdizada. Duas pessoas
estavam folheando volumes. Aproximou-se, com o olhar levemente deslocado para a
esquerda (obviamente o que lhe interessava estava desse lado), como se só um
lado da cabeça enxergasse o que o resto do corpo viera reclamar como seu. Seus
passos se apressaram levemente em quiálteras, mas seu corpo refletindo um
compasso simples, e a respiração aos poucos correspondeu a essa descombinada
divisão. Se bem que ele não respirava mais. Tinha se prendido ao momento. O
livro não estava lá.
Uma senhorinha, com cabelos grisalhos, mas levemente pintados num tom quase roxo, quase azul, de vestido desamarrotado, de listras verdes, estava com ele, o “tal” em mãos.
Seus olhos se esbugalharam, mas manteve o controle. A respiração automaticamente se refez, mas agora uma pequena veia latejava do lado direito da sua fronte. Pensou em falar com a senhorinha, dizer que aquilo era seu, mas era burrice. Pensou em... Não. Não pensou em mais nada, a não ser na única hipótese possível. Esperar. Pegou outro livro e nervosamente começou a folheá-lo em busca de um texto-trecho que não faria a menor importância quando fosse lido. A senhorinha continuava com o códice em mãos. Virava suas páginas como se elas pesassem um quilo, e mantinha sonolentamente abertos aqueles olhos que só funcionavam em altos níveis de claridade desde a década de 50. Idiota. Idiota. Ele pensava. Como foi deixar isso acontecer? Nas estantes não havia mais nenhum exemplar daquele. A senhorinha pegara o último. Idiota. Ele pensava. A senhorinha finalmente terminara a leitura an passant, mas permanecia com o livro em mão, agora vasculhando as retas linhas em busca de algum outro artigo. Ele já não se aguentava em nervosismo. Não queria mais seguir com aquele teatro que já durava em contagem einsteniana uns dois anos, mas em contagem suficiente calma deveria ter durado dois minutos, até aquele momento. Momento em que a senhorinha levantou o livro e colocou-o de volta na estante. Pelo menos foi isso que ele afirmou a sim mesmo ter visto. Só que o milagre durou menos de um segundo. Enquanto ele virou o pescoço a direita, seguido pelos seus quadris que dirigiriam seu navio corporal numa velocidade de dois passos por segundo rumo ao lugar desejado, a senhorinha re-pegou o volume e colocou-o em baixo do braço. Decidida. Ele prendeu a respiração novamente e soltou um leve gemido interno. Ao fazer isso (a senhorinha) ele notou no dedo anelar esquerdo da senhorinha um pequeno anel com uma pedra em forma de ovo, cinza, mas cujas moléculas estavam tão envelhecidas que quase deixaram de produzir aquela cor. Um palavrão foi pensado e abafado para ressurgir mais duas vezes, como se regurgitado entre suas orelhas, enquanto a balzaquiana continuava com o tal embaixo do braço. A essa altura já com o cheiro corporal dela transmitido. Vou falar com ela, perguntar se ela realmente vai comprá-lo, quem sabe mentir, contar uma história meio ridícula, meio séria. De repente ela me entrega o volume, afinal, não posso tomá-lo a força. Se bem que...
“Boa noite. Posso ajudá-lo senhor?”
Uma senhorinha, com cabelos grisalhos, mas levemente pintados num tom quase roxo, quase azul, de vestido desamarrotado, de listras verdes, estava com ele, o “tal” em mãos.
Seus olhos se esbugalharam, mas manteve o controle. A respiração automaticamente se refez, mas agora uma pequena veia latejava do lado direito da sua fronte. Pensou em falar com a senhorinha, dizer que aquilo era seu, mas era burrice. Pensou em... Não. Não pensou em mais nada, a não ser na única hipótese possível. Esperar. Pegou outro livro e nervosamente começou a folheá-lo em busca de um texto-trecho que não faria a menor importância quando fosse lido. A senhorinha continuava com o códice em mãos. Virava suas páginas como se elas pesassem um quilo, e mantinha sonolentamente abertos aqueles olhos que só funcionavam em altos níveis de claridade desde a década de 50. Idiota. Idiota. Ele pensava. Como foi deixar isso acontecer? Nas estantes não havia mais nenhum exemplar daquele. A senhorinha pegara o último. Idiota. Ele pensava. A senhorinha finalmente terminara a leitura an passant, mas permanecia com o livro em mão, agora vasculhando as retas linhas em busca de algum outro artigo. Ele já não se aguentava em nervosismo. Não queria mais seguir com aquele teatro que já durava em contagem einsteniana uns dois anos, mas em contagem suficiente calma deveria ter durado dois minutos, até aquele momento. Momento em que a senhorinha levantou o livro e colocou-o de volta na estante. Pelo menos foi isso que ele afirmou a sim mesmo ter visto. Só que o milagre durou menos de um segundo. Enquanto ele virou o pescoço a direita, seguido pelos seus quadris que dirigiriam seu navio corporal numa velocidade de dois passos por segundo rumo ao lugar desejado, a senhorinha re-pegou o volume e colocou-o em baixo do braço. Decidida. Ele prendeu a respiração novamente e soltou um leve gemido interno. Ao fazer isso (a senhorinha) ele notou no dedo anelar esquerdo da senhorinha um pequeno anel com uma pedra em forma de ovo, cinza, mas cujas moléculas estavam tão envelhecidas que quase deixaram de produzir aquela cor. Um palavrão foi pensado e abafado para ressurgir mais duas vezes, como se regurgitado entre suas orelhas, enquanto a balzaquiana continuava com o tal embaixo do braço. A essa altura já com o cheiro corporal dela transmitido. Vou falar com ela, perguntar se ela realmente vai comprá-lo, quem sabe mentir, contar uma história meio ridícula, meio séria. De repente ela me entrega o volume, afinal, não posso tomá-lo a força. Se bem que...
“Boa noite. Posso ajudá-lo senhor?”
A pergunta, feita por uma
jovenzinha teve o impacto de uma avalanche, pois cortara rapidamente seu
raciocínio maligno e o desconcertou. Num reflexo ele disse “boa noite” num tom quase
inaudível. “Quer ajuda senhor?”. Eh...
estou só de passagem, não vou comprar na... Nesse momento ele percebe que a
senhorinha sumiu. Com licença, ele disse, e sem perceber empurrou a
jovenzinha de blusa branca e crachá quase quadrado, estampando uma foto que
odiava, pois tinha sido tirada num dia infeliz. Ele olhou a estante e notou com
pesar que o item já não estava mais lá. A senhorinha tinha levado. Ele passou a
mão, inconscientemente pela borda da estante, como se num ultimo toque e
respirou pesadamente. Parou por um segundo inteiro como se abandonado. Olhou
para a jovenzinha e reparou no tom azulado, quase cinza dos seus olhos. Aonde
tinha visto esse tom antes? Cabelos cortados com uma franja que quase encostava
nos olhos. A jovenzinha que sem entender o que se passava disse em tom
crescente: O senhor está sabendo? Um autor
está assinando seus livros ali embaixo. A sessão iria acontecer a pelo menos 4
meses, mas ele estava fora do país. Só voltou agora. Todos os livros dele que
estavam aqui foram comprados e os que sobraram estão num estande ali embaixo. A
senhorinha que estava aqui estava com um deles, mas nenhum ficou aqui hoje.
Todos estavam lá embaixo. Quem sabe se o senhor descer ainda encontra... Ele
interrompeu-a sem pedir licença. Estou só de passagem, não vou comprar nada,
mas obrigado pela informação. Devolveu o livro a estante, olhou novamente
seus olhos, num piscar de olhos, olhou pro lado direito (o mesmo que ele olhava quando entrava em ônibus, trens e metrôs), decorou o nome da jovenzinha (que estava no crachá e que seria
repetido por ele para ela um dia depois numa visita que ele sabia que faria) e
rumou para a escada. Afinal, era do tipo
que esquecia muito facilmente das coisas. Mente rápida. Por outro lado, quando
cismava com uma ideia, era difícil de fazê-lo se aquietar.